quarta-feira, março 31, 2010

Os Tanques também Amam

O que têm em comum Fernando Aguiar e um aleatório jogador de futebol, para além de ambos respirarem e serem seres orgânicos?

Provavelmente nada, tendo em conta que o jogador de futebol joga de facto à bola.

Fernando, por outro lado, foi meramente um profissional da área. Existem longínquos relatos de indivíduos que juram tê-lo visto em contacto com a redondinha, mas em todas as situações rumoradas, esse mesmo contacto terá acabado em tragédia:

Foi horrível. Instalou-se o pânico na bancada, as pessoas começaram a correr em direcções opostas, cobrindo os olhos com camisolas e os ouvidos com as mãos. E as crianças, meu Deus! Alguém PENSOU nas crianças?!?”

Jorge “Gazua da Póvoa” Gamboa, companheiro de Aguiar no Beira-Mar de 2000-01, ainda não superou os traumas enfrentados no dealbar de século:

“Nunca mais fui o mesmo. Vi um rapaz dos seus 17 anos a arrancar ambos os olhos com um saca-rolhas. Eu próprio perdi o amor pelo futebol, depois de vislumbrar o Fernando a tentar um passe atrasado sobre a meia-lua, num Beira-Mar – Chaves de 2001. Foi hediondo. Ainda hoje tenho dificuldades em ver trincos com a bola nos pés.”

Fernando, por outro lado, mantém-se à ilharga da polémica. Impõe o físico no duelo 1x1 e sorri perante médios criativos que sejam estúpidos o suficiente para acariciar a redondinha nas suas redondezas. Ser agressivo é crime? Será que o Pensador de Rodin foi criticado por ser demasiado granítico? Fernando é só mais um caso da arte imitando a vida, uma estátua intransponível com responsabilidades de tampão ofensivo. “Estanca a sangria, Nando!”, gritavam-lhe do banco. Ele nunca quis ser odiado. Fernando procurava amor, aceitação. Ele só queria ser amado – e dar porrada.

Serão duas coisas assim tão incompatíveis? O canadiano queixa-se entredentes da incompreensão e ignorância que grassam no futebol luso – a crítica chamusca-lhe o ego, os maliciosos piropos da bancada causam-lhe psoríase, mas o tanque esmaga tudo pelo caminho. Impiedoso, omnipotente, ciclópico.

O colosso da queixada rectangular arrepiou caminho no hercúleo Toronto Blizzard, atravessou o Atlântico a nado (e só com um braço – estava a ler os Lusíadas com o outro) até chegar à Madeira, nadou mais um bocado até à Maia, e foi aniquilando o desporto-rei, relvados vários e canelas aleatórias até atingir o objectivo principal da carreira: destruir um prédio de cinco andares à cabeçada.

E depois, pronto, lá chegou ao Benfica.

A sua contratação causou alguma surpresa, dado que o clube da Luz – apesar de tudo – estava mais habituado a adquirir jogadores de futebol.

Aliás, especula-se que a sua aventura no ex-clube de Alejandro Escalona poderá ter tido a ver com a presença do iraniano Samir Shaker na equipa técnica do mesmo. Os ventos do futebol luso sussurram ainda hoje que o soturno Shaker seria um agente enviado pelo governo de Teerão para aquilatar a disponibilidade de Fernando Aguiar se deslocar ao Médio Oriente para abraçar as funções de arma de destruição maciça na Guerra Santa contra os Infiéis. Samir supostamente já teria levado uma nega de Musa Shannon e Jokanovic no CS Marítimo do ano transacto. Com o cepticismo de Fernando e na sequência de mais uma recusa semi-lusitana à Jihad, Samir Shaker deixaria mesmo o futebol português no final da época, desaparecendo como o vento (ou como Victor Quintana) para parte incerta.

Na sequência da recusa à Jihad - e consequente permanência em Lisboa, Fernando sentia-se lisonjeado por poder partilhar a meia-lua com Andrade:

“Tenho muito a aprender com o Andy. A forma como ele despedaça ossos é lendária. E admiro a subtileza com que ele rasga tendões. Tudo o que envolve o seu jogo é tão etereamente belo, que me apetece dedicar uma Ode às suas proezas.”

Esta épica publicação pela pena de Fernando Aguiar acabou por nunca chegar às livrarias, mas corre a lenda no balneário do Benfica que vários jogadores derramaram comovidas lágrimas ao ler as delicadas estrofes do trinco.

Emanuele Pesaresi compara mesmo Aguiar a um Homem do Renascimento Italiano: “Ele é brilhantti. Suas parolas são tão comoventes e toccantis, que me fizzeram querer abrazzar homens.” Porém, o italiano afiança que as lágrimas foram resultado de outras situações: “Não, não…não houve lágrimas. Quer dizzere, houve, peró foi perché ele nos batia muitas vezes. E doía, doía molto. Porca miseria."

A História de Fernando no Benfica foi bonita. Efémera, como o grosso dos mais tocantes contos de amor, mas sedosa e envolvente como um fio de cabelo de Miguel Veloso. Entre 2002 e 2004, o Estádio da Luz viveu uma frutuosa relação com o trinco, pois não só usufruiu dos inúmeros talentos do jogador mais virtuoso de sempre a sair do Canadá (após Alex Bunbury, obviamente), como também poupou uns cobres no que respeita à demolição do antigo Estádio – conseguindo adquirir as percentagens dos passes da orelha esquerda de Azar Karadas, da coxa direita de Éverson e de um molar de Manuel dos Santos com o dinheiro que entretanto pouparam.

Porém, o grandiloquente canadiano tinha um sonho. Como todo o filho da terra, o Curling era a sua paixão, e por muito ecléctica que a agremiação lisboeta fosse, o desporto das vassourinhas não fazia parte do seu portfólio. Assim, Fernando fez a trouxa, e qual Lucky Luke cavalgando em direcção ao horizonte pintado a tons de pôr-do-sol, deixou a solarenga capital lusa em descoberta do gélido paraíso, de seu nome Landskrona, burgo sueco de fria reputação.

Como bastião maior do Landskrona Boll Och Idrottsällskap, Aguiar conseguiu finalmente preencher mais um vazio da sua gigante alma – manejar uma vassourinha em cima de um parquet de gelo (e destruir um glaciar à cabeçada, mas isso fica para outras núpcias).

Finalmente realizado, Aguiar perdera a raiva, combustível futebolístico de outrora, e era agora um casulo de Paz, um ursinho de pelúcia com fresco odor a lavanda. E a sua performance ressentia-se. No duro campeonato sueco, palco das estrelas e Céu das mais brilhantes constelações da redondinha, Fernando era apenas mais um. A bola atrapalhava, o gelo não ajudava e pela primeira vez na sua vida, o tanque canadiano não ripostava ceifando, arrastando, puxando e maltratando os oponentes. Não. O veterano de tantas batalhas perdera aquilo que o tornara especial.

Assim, só havia uma solução possível - voltar ao local onde fora feliz: onde Fernando Aguiar aprendera a ser Fernando Aguiar. Portu fuckin' gal.

Deixando a meio a tela do sonho pintalgada a Curling, o nosso amigo abandona os barbáricos túneis do Landskrona Boll Och Idrottsällskap para ingressar num clube português cuja sigla é F.C.P. e que conta com Clayton, Folha e Ljubimko Drulovic no ataque. Infelizmente, o calendário segredava o Ano da Graça de 2004 – e o tal F.C.P. era o Futebol Clube de Penafiel, cujo decrépito trio ofensivo cruzava o cautchú em decomposição para a cabeça de Rolf Landerlhardly a Mário Jardel, i say.

Enfim. É o que se arranja. De qualquer forma, não é qualquer um que tem a Honra de poder contar aos netos que formou barreira ao som dos autoritários grunhidos do lendário keeper João Viva, uma espécie de Pedro Roma das divisões secundárias.

Seduzido pela alva barba do Major Valentim, Fernando ainda deu uma perninha tetra-anual no principal grémio da cidade de Gondomar, onde pôde partilhar balneário com o Fumo, coisa que certamente não lhe terá feito bem aos quatro pulmões. Terminou a carreira flirtando com os quarenta, a distribuir fruta ao lado de ícones como Fabeta e Idalécio.

Decididamente, a coisa poderia ter corrido bem pior para a primeira arma de destruição maciça a sair do Canadá – mesmo que a carreira no Curling não tenha sido inteiramente frutífera.


Post Scriptum Cromatium: algumas destas imagens foram desenvergonhadamente surripiadas do bossiânico blog Vedeta ou Marreta.

sábado, março 20, 2010

Beira Mar vs Viseu há 13 anos - 97-98

Este video vale a pena.
Gilberto Madaíl e Dias Ferreira há 14 anos atrás. que novinhos e amigos que eles eram..
Jogadores de cuecas a correr à volta do campo... onde é que hoje se ve isto?
Lobão e a sua imponente compleição física...Eusébio, Jorge Neves, Welder, que equipa!!!



Uma bela recordação do nosso baú!

domingo, março 14, 2010

A Nossa Selecção

A Cromos da Bola, SAD associa-se mais uma vez a uma nobre iniciativa. Eis a nossa modesta contribuição: um exemplar fotográfico representando a nossa Selecção de sonho - sim, uma Selecção alicerçada no robusto e genuíno bigode lusitano.
Foi difícil encontrar géneros bigodescos do meio-campo em diante. O bigodis lusitanensis, espécie hoje mais rara que um lince na Malcata, tinha o seu habitat natural nas selváticas defesas. Gostava de povoar a meia-lua em manadas gregárias, onde, entre a lama e bombos de claques femininas provenientes do peão, soltava os seus cotovelos e distribuía entradas em riste na sua luta pela sobrevivência. Aquilo para lá do grande círculo era geralmente um território inóspito e para tipos de fartas mullets aos caracóis com menos de 1,60m. À falta de registas bigodudos e de homens de área com a codícia em forma de pêlo facial, optámos por aquilo que as grandes selecções mundiais têm optado: as naturalizações.
Um grande bigode a todos que descobrirem os nomes deste onze que, não sendo de luxo, é pelo menos galhardo e honesto. Eles sabiam lá o que era o luxo, pá.

segunda-feira, março 08, 2010

O Pequeno Quim

A rede balançava, ele dançava, o público jubilava, e Deus – algures – exultava.

Vivaça era a vida do Pequeno Quim, grande no porte, insurrecto petiz de alma, sangue ardente no esculpido corpo, seu instrumento de trabalho. O Pequeno Quim era assim: exuberante como uma multicolorida borboleta, crisálida de eleição, e potente como um furioso touro, acicatado pelo vermelho-chama do fogo que lhe alimentava o Ser: o golo.

Incompreendido pelo estimado mentor (“one touch, two touch, quimmzin-ho goal”), o flamejante aríete do continente negro procurava refúgio nas bancadas, onde era amado como nenhum outro, em pleno auge feudal de D.Mário Jardel, o Primeiro. O Mantorras antes do Mantorras, este sim, a alegria do Povo, com dois joelhos e tudo – pois sem eles não conseguiria bailar Kuduro. Endiabrado, o Pequeno Quim.

Futebol-esquadro? Coisa para operários com bota quadrada, mais Alfaias que Nandos, menos Constantinos que Caos. Geometria sempre foi coisa para maricas. Futebol é Paixão, Calcio não é Catenaccio e Prof. Neca não é senão um calvo Darth Vader, enviado da Estrela da Morte para nos sugar o prazer da sumarenta clementina do beautiful game. O Pequeno Quim não nascera para traçar rectas a esquadro – o Pequeno Quim era o anti-Custódio, antes gingar que quebrar, nascera para emocionar, negra pantera de tardes gloriosas com o azul Dragão ao peito.

Porém, sempre apaixonado pela polémica, o Bigode de António Oliveira decidiu não ouvir os apelos da bancada. A central pedia Quim, a superior pedia Quim, até o tribunal por Quim clamava. Mas a única emoção a Quim ofertada, foi a da despedida. Uma dura, amarga despedida.

Já que o Pequeno Quim se assemelhava a uma locomotiva desgovernada nos trilhos do tapete verde, lá decidiu fazer da fama proveito e transformar a sua carreira numa espécie de percurso de Intercidades que pára em tudo o que é apeadeiro sem pedir licença.

Assim, fica a recordação da trajectória CP-style, com atrasos, croquetes a bordo, crianças a chorar, e claro – golos a brotar do ar condicionado desta carruagem em alta rotação: Leiria, Vila do Conde, Faro, Vila das Aves, Alverca e Estoril. All aboard, the Quim Train.

Sob a asa de um génio indomável, a locomotiva atravessou Oceanos, atropelando Peixes e engolindo Figos, chegando assim à China, continente sem Brunos ou Coentrões de cabelo pejado de parafina.

Qiao Ji Ma, nova identidade do petiz vagão ferroviário, corcel indomável no continente amarelo de carroça puxada a arroz. “What’s in a name? A rose by any other name would smell as sweet”, já dizia Mark Pembridge. Qiao Ji Ma concordava, acenando afirmativamente com o seu potente crânio. O título pode ser outro, mas o texto conhecia semelhante epílogo: golo, golo e mais golo. Ou Kwame Ayew – é assim que se diz golo em chinês…ou pelo menos foi o que o Duah nos contou.

De qualquer forma, após menear as ancas pelas bandeirolas de canto um pouco por toda a Ásia, Qiao Ji Mu decidiu regressar ao País que o viu nascer – o País que deu nome a Zé D’Angola, curiosamente um orgulhoso cabo-verdiano. Ou se calhar não será assim tão orgulhoso, mas cabo-verdiano é de certeza. E o Pequeno Quim - esse - é de novo Pequeno Quim: irreverente, poderoso, calvo, e apostado em tratar a bandeirola de canto como Axl Rose tratava um microfone, pois com Pequeno Quim, o rock n roll nunca morrerá.

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